Um estudo recente do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas (FGV Ibre) concluiu que a ampliação dos benefícios do Bolsa Família nos últimos anos tem desestimulado a busca por emprego, especialmente entre grupos mais vulneráveis, como mulheres, jovens e trabalhadores de baixa qualificação, principalmente das regiões Norte e Nordeste. Segundo a pesquisa, elaborada por Daniel Duque, mestre em ciências econômicas pela UFRJ e pesquisador do FGV Ibre, o impacto do programa na oferta de trabalho tem sido notável.
De acordo com Duque, programas sociais como o Bolsa Família são fundamentais para ajudar a superar barreiras, como a falta de qualificação, mas também podem desincentivar a busca ativa por emprego, quando os benefícios oferecidos pelo programa superam os ganhos de um trabalho remunerado. O estudo utilizou dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad) Contínua do IBGE para analisar esse efeito.
Ao contrário de estudos anteriores, a pesquisa se propôs a investigar o impacto da ampliação das transferências de renda sobre a participação no mercado de trabalho em diferentes regiões do Brasil. Dados de 2019, 2022 e 2023 foram analisados, mostrando que, antes da pandemia, o auxílio financeiro não influenciava de forma significativa a participação no mercado de trabalho. Contudo, com a pandemia e o aumento do valor dos benefícios, essa relação mudou, e o estudo constatou uma queda na oferta de trabalho a partir de 2020, especialmente após a implementação do auxílio emergencial.
O estudo também mostrou que, com a reformulação do programa em 2021 e 2022, quando passou a se chamar Auxílio Brasil no governo de Jair Bolsonaro, o valor do benefício subiu para R$ 400, e depois para R$ 600. Com a volta do nome Bolsa Família em 2023, no governo de Luiz Inácio Lula da Silva, o tíquete médio alcançou R$ 700, reforçando o impacto na participação no mercado de trabalho.
Fernando Chertman, professor de Macroeconomia e Economia Matemática da Faculdade Belavista, destaca que o período analisado é curto para conclusões definitivas sobre o desencorajamento no mercado de trabalho. Ele também lembra os benefícios sociais do programa, como a redução da pobreza e a melhoria nas condições de vida de crianças e adolescentes, mas aponta que a iniciativa pode contribuir para a estagnação econômica local e a informalidade.
A pesquisa aponta que os efeitos de desincentivo à participação no mercado de trabalho são mais evidentes nas regiões Norte e Nordeste do Brasil, especialmente entre jovens, mulheres e trabalhadores com baixa qualificação.
"Esses resultados indicam que as políticas analisadas afetam de forma desigual esses grupos, que tendem a ser mais suscetíveis a mudanças nas condições econômicas e aos estímulos proporcionados por programas sociais", destaca o estudo.
Claudio Shikida, doutor em economia e especialista do Instituto Millenium, ressalta que programas como o Bolsa Família podem, de fato, influenciar a substituição entre a procura por emprego e o recebimento do benefício.
"Quanto maior o valor do benefício, mais intenso será esse efeito. Assim, no médio e longo prazo, programas como esse podem gerar uma dependência, especialmente entre os mais pobres, que tendem a valorizar mais o auxílio", explica.
De acordo com os dados mais recentes divulgados pelo Ministério do Desenvolvimento e Assistência Social, Família e Combate à Fome, 20,7 milhões de famílias estão recebendo o benefício neste mês, com um valor médio de R$ 684,27.
A maior parte dos beneficiários está localizada na região Nordeste, com 9,28 milhões de famílias, seguida pelo Sudeste (6,02 milhões) e Norte (2,62 milhões). Além disso, a maioria das famílias atendidas é chefiada por mulheres, totalizando 17,28 milhões.
Sobre os resultados do estudo realizado pelo FGV Ibre, Shikida argumenta que faz sentido que as pessoas prefiram o recebimento de benefícios em vez de buscar trabalho formal.
Ele questiona: "Diante das opções disponíveis, o que você escolheria? Aceitar uma vaga de emprego com um salário, que, após impostos, não é tão atrativo, ou permanecer em casa recebendo um valor menor através do Bolsa Família, mas com a possibilidade de trabalhar informalmente e complementar a renda, somando assim um total equivalente ao salário líquido?"
Atualmente, o Bolsa Família possui uma "regra de proteção" que visa incentivar a formalização do trabalho. Essa norma permite que as famílias continuem recebendo o benefício mesmo após registrarem um emprego, desde que a renda não ultrapasse meio salário mínimo por membro da família, independentemente da idade.
Com isso, as famílias podem manter o acesso ao programa por até dois anos, recebendo 50% do valor do benefício a que teriam direito, incluindo os adicionais para crianças, adolescentes, gestantes e mães em período de amamentação. O governo relatou que, neste mês, 2,64 milhões de famílias foram beneficiadas por essa regra, com um valor médio de R$ 372,07 por família.
O ponto importante é que, para o beneficiário, o emprego formal precisa trazer um ganho que compense a perda do Bolsa Família, além de qualquer rendimento informal que ele já receba.
Shikida acredita que qualquer alteração no programa deve impactar o custo de oportunidade, que é essencial para a tomada de decisão dos indivíduos. Portanto, ele conclui que o sucesso de um programa assistencialista como o Bolsa Família não pode ser avaliado apenas pelo aumento do número de famílias atendidas.