Em editorial publicado na sexta-feira (10/02), o jornal Folha de S. Paulo pediu cautela nas investigações da operação Tempus Veritatis, deflagrada pela Polícia Federal contra o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) e seus aliados. Intitulado "Que se faça Justiça, não vingança", o editorial defende o afastamento do ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), Alexandre de Moraes, do caso.
O veículo expressa a necessidade de encerrar quaisquer irregularidades nas apurações, especialmente em um momento em que o ministro Alexandre de Moraes, além de conduzir o inquérito de forma peculiar, tornou-se alvo frequente de ataques por parte de apoiadores de Bolsonaro. Alegações recentes sugerem que Moraes teria sido alvo de uma suposta tentativa de golpe, colocando-o como uma das vítimas do episódio.
O editorial prossegue defendendo que a Procuradoria-Geral da República (PGR) assuma o papel de acusadora, enquanto os 11 ministros do STF se mantenham como julgadores imparciais, ouvindo com equidistância os argumentos tanto da acusação quanto da defesa.
Eis a íntegra do editorial publicado pelo jornal Folha de S. Paulo:
Ao que parece, chegará a hora em que integrantes do alto escalão durante a administração Jair Bolsonaro (PL), incluindo o ex-mandatário, terão de prestar contas à Justiça.
O presidente e seu séquito abusaram da irresponsabilidade. Se também cometeram crimes de lesa-democracia, é algo a ser decidido num quadro que precisará ser justo e regular, com amplo direito de defesa e o devido processo legal.
Por ora conhecem-se fatos preliminares de uma investigação, graves o bastante para justificar aprofundamento. Há indícios de que um círculo de autoridades civis e militares em torno de Bolsonaro tramou subverter a vitória eleitoral de Luiz Inácio Lula da Silva (PT).
Segundo a Polícia Federal, debates sobre um decreto golpista - no molde da minuta achada na casa do ex-ministro da Justiça Anderson Torres, fato revelado pela Folha - foram travados após o segundo turno pelo presidente da República, que teria ordenado supostas correções na proposta e, com ela, assediado as Forças Armadas.
A investigação confirma que o então comandante do Exército, Marco Antônio Freire Gomes, se negou a abonar aventuras, mas lança dúvidas sobre as condutas de um então integrante do Alto Comando da força terrestre e do chefe da Marinha. São informações iniciais, ainda carentes de maior escrutínio.
O golpe não tinha como se consumar, dada a oposição da institucionalidade, incluindo o comando do Exército, e da sociedade a retrocessos autoritários, o que não exclui a hipótese de indivíduos inconformados com a derrota nas urnas terem urdido uma virada de mesa.
Para fins da aplicação da lei de defesa da democracia, sancionada por Bolsonaro em setembro de 2021, não é preciso desfechar o putsch; basta a tentativa de fazê-lo para o cometimento dos crimes de golpe de Estado e de abolição do Estado de Direito.
Seria precipitado e impróprio, nesta fase dos desdobramentos, concluir que o ex-presidente e os outros investigados incidiram nesses delitos. Os trabalhos policiais estão inconclusos, e o crivo incipiente da Procuradoria-Geral nem sequer produziu denúncia formal.
Seria, isso sim, o momento recomendável para dar cabo das heterodoxias nas apurações. O ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal, além de condutor anômalo do inquérito e alvo frequente de ataques bolsonaristas, agora figura como uma das vítimas da suposta tentativa de golpe - sua prisão teria sido tramada.
O melhor é que a PGR assuma o papel de parte acusadora, e os 11 ministros do STF se recolham para a posição de julgadores imparciais de uma provável ação penal, ouvindo com equidistância os argumentos de acusação e defesa.
Gazeta Brasil